Cuidado invisível: a realidade de quem cuida dos familiares no Brasil

quem cuida dos familiares

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde mais recente, cerca de 7% dos idosos brasileiros, o que significa mais de dois milhões de idosos, precisam de ajuda para atividades básicas do dia a dia como alimentação, higiene pessoal, medicação, acompanhamento aos serviços de saúde, bancos ou farmácias, entre outros. Desse total, apenas 20% dos casos contam com cuidadores contratados e, em 80%, quem cuida dos familiares são membros da família.

E por membros da família, leia-se mulheres. Um estudo realizado pela Fundação Seade, em 2023, mostrou que, no estado de São Paulo, 90% dos cuidadores são mulheres e 94% das pessoas com demência são cuidadas em casa, no âmbito familiar. A maioria das cuidadoras tem em média 48 anos e são filhas, noras, cônjuges e netas que prestam cuidado informal.

A grande dificuldade dessa questão é a falta de preparo dessas mulheres para cuidar, afinal, assim como ninguém que se vê diante da necessidade de construir um prédio se torna um engenheiro da noite para o dia, uma pessoa não se torna um cuidador profissional quando alguém próximo precisa de cuidados.

Isso sem falar nas outras tarefas que já faziam parte da programação da mulher, como trabalho, filhos pequenos, gestão da casa e a própria saúde. O resultado é uma pessoa que dorme pouco, se alimenta mal, abre mão das atividades de lazer e passa por muita tensão ao longo do dia, em uma jornada diária que se estende por anos.

O desgaste físico e emocional de quem cuida dos familiares é tão comum que deu origem a um problema sério de saúde chamado estresse do cuidador. Já tive a oportunidade de falar amplamente sobre o assunto em algumas entrevistas, clique aqui para saber mais.

Vários estudos médicos comprovaram que o cuidado prolongado de parentes predispõe a taxas mais altas de doenças, resposta imunológica mais lenta e até mortes mais precoces. Mulheres que cuidam de maridos com diagnóstico de alguma síndrome demencial têm 63% mais risco de mortalidade.

Veja também: Benefícios de contratar um cuidador de idoso

Cuidado invisível

Além de toda bagagem histórica e social que projeta na mulher a função de cuidar, muito do estigma que pesa sobre o cuidado a idosos ou pessoas com alguma incapacidade vem da falta de visão dessa atividade enquanto profissão. O cuidado se consolidou socialmente como um invisível, pejorativo e opressivo.

Para mudar essa visão em relação a quem cuida dos familiares é preciso a união de sociedade e estado. A primeira mudança começa na própria família. Em alguns casos, a família tem condição financeira e não procura ajuda, por uma crença limitante de que é sua responsabilidade cuidar, e não percebe o quanto ajudaria a si mesma e ao familiar ao proporcionar um cuidado profissional.

Por outro lado, o Poder Público precisa reconhecer o cuidado enquanto profissão. O envelhecimento da população precisa levar tanto o Estado quanto instituições privadas a mudarem o olhar em relação às necessidades das populações vulneráveis: o cuidado deixou de ser uma questão apenas familiar e se tornou um nicho de mercado de trabalho. Mais ainda, o número de cuidadores de idosos no Brasil sextuplicou nos últimos 10 anos e fez com que a profissão se consolidasse como a que mais cresceu no país no período.

Dessa forma, é preciso investir em políticas públicas que incentivem a profissionalização do setor e combatam a alta taxa de informalidade no setor. Uma pesquisa da Fiocruz mostrou que em cada três cuidadores, apenas um trabalha com a carteira assinada, além de muitos relatarem que acumulam o cuidado com as tarefas domésticas, causando uma sobrecarga de trabalho prejudicial, com jornadas de 12 a 24 horas diárias, sem intervalo de descanso.

Para concluir, é fundamental que a sociedade reconheça o valor do trabalho de cuidado, tanto para os idosos quanto para de quem cuida dos familiares. Isso pode envolver políticas públicas que apoiem os cuidadores, como licenças remuneradas, programas de assistência e subsídios para serviços de cuidados de longo prazo. Além disso, é importante desafiar os estigmas em torno do envelhecimento e da dependência, promovendo uma cultura de respeito e apoio aos idosos e seus cuidadores.